domingo, 28 de fevereiro de 2010

Boas-vindas ao processo do VII Congresso Mundial da Associação Internacional de Drama/Teatro e Educação, IDEA 2010!

O VII Congresso Mundial da IDEA 2010 Viva a Diversidade Viva! Abraçando as Artes de Transformação!, afirma duas prioridades interligadas ao Século XXI: a necessidade de celebrar e praticar a diversidade cultural como uma garantia pela democracia viva e participativa; e a necessidade de abraçar pedagogias baseadas nas artes e em nossas linguagens, saberes e técnicas de transformação para democratizar nossas comunidades e nosso mundo, e possibilitar que tenhamos um futuro sustentável e humano.
A cidade de Belém do Pará, norte do Brasil, uma das principais ‘portas’ para a Amazônia, sediará o IDEA 2010. Belém é um dos palcos mundiais de debates contemporâneos sobre ambiente e sustentabilidade, situada numa região com uma diversidade cultural extraordinária. Para garantir uma experiência autêntica dessa região e um congresso íntimo e participativo, IDEA 2010 será realizado na comunidade, escolas e no distrito pescador e de produção artesanal de Icoaraci e na Universidade Federal do Pará.

Nesse primeiro Congresso Mundial da IDEA na América Latina, a Rede Brasileira de Arteducadores – ABRA, abraça uma importante oportunidade para fortalecer o papel de nossas linguagens artísticas (em especial do teatro) e das culturas populares na construção de um novo paradigma educacional para o nosso século. ABRA antecipa o Congresso Mundial com o processo ‘Rumo IDEA 2010’, uma série de projetos colaborativos entre as comunidades de Belém e o mundo para garantir a sensibilização ambiental, continuidade, transformação social e desenvolvimento comunitário. Estou diretamente envolvido com a organização deste encontro. Para estimular uma discussão sobre diversidade cultural, destaco 3 perguntas e respostas que foram elaboradas e respondidas no contexto de criação do ultimo espetáculo da SeráQ. Cia de Dança intitulado Q´Eu isse. O foco destas questões foi a abordagem cênica (em um espetáculo de dança) das culturas africanas e indígenas no contexto brasileiro:

1. A idéia é se concentrar no aspecto místico? Quais os aspectos que você pretende destacar ao falar desta fusão de culturas?

Rui: Mítico talvez, mas místico não; mesmo partindo da observação da “fé” no contexto das várias culturas. A fé, que, segundo Kierkegaard, é a mais alta manifestação da paixão humana.
Consagrando meu tempo ao intenso calendário de manifestações populares constatei através do sincretismo religioso implícito nos festejos visitados por mim algumas das questões políticas que permeiam a história do Brasil e a origem de alguns dos anseios essenciais da população brasileira não importando sua classe social. Com um olhar de artista contemporâneo, é fantástico perceber que no dinamismo e na linguagem dramática das manifestações populares podemos ver as histórias que desenham o passado de um povo sendo adaptadas ao tempo presente. É um exercício rico e muito delicado.
Desde a criação da Cia. SeráQuê?, em 1993, as questões ligadas à diversidade cultural e identidade da nação brasileira têm sido mote para meu processo criativo. De maneira muito particular as questões ligadas à população negra do Brasil e do mundo. As culturas de matrizes africanas ou esta cosmogonia, nortearam a maior parte dos meus processos de criação, seja na SeráQ., seja para outros elencos com os quais tenho trabalhado. Eu diria que estes últimos quinze anos foram um despertar para minha negritude como cidadão brasileiro; uma questão de identidade. Isto tem sido importante para mim neste momento…
Partindo daí, escolhi trazer para meus espetáculos traços e personagens que compõem este mosaico de identidades no Brasil e criar narrativas não lineares, pois é assim que eu observo a vida.

2. Como surgiu este processo do Q’EU ISSE?

Rui: Em 2005, eu apresentei ao instituto Vitae um projeto que pleiteava uma bolsa para me dedicar à pesquisa sobre os festejos populares religiosos afro-mineiros. O título era “Ês quis q’eu isse co ês” ou “Eles quiseram que eu fosse com eles” (português com um acento dialético, ou seja, com uma sonoridade que se escuta em muitas cidades do interior de Minas Gerais). Fui contemplado e então tive a oportunidade de desenvolver um estudo específico, histórico e estético, que acrescentou alguns elementos às minhas noções de identidade. Um deles foi observar a modernidade como agente de rompimento, caracterizando-se por um processo de sucessivas fragmentações. As sociedades são marcadas por diferentes divisões e antagonismos que produzem uma diversificação de identidades no indivíduo. Tais antagonismos são possíveis de identificar não apenas na sociedade brasileira contemporânea, mas ao longo do processo histórico da nação, desde o seu início, atravessado pelos legados coloniais e escravocratas.
Por outro lado, o fato de dizer “brasileiro” – logo também “americano” - e “afro-descendente” e “ameríndio”, cria laços de identificação com a cultura. Esse é um dos traços que define uma “circularidade”. Um dos traços que a “circularidade” pode adotar parece-me estar diretamente relacionado com um sentimento de busca comum pela identidade e valorização dos legados “afro” e “indígena” na constituição das sociedades atlânticas. Eu mesmo trago, na minha forma de atuação, a essência do sujeito pós-moderno. Ou seja, meu próprio processo de identificação, através do qual projeto minhas identidades culturais, é cada vez mais provisório, variável e problemático.

3. O espetáculo vai se fixar no cruzamento das culturas indígenas e africanas?

Rui: Sim, mas nos processos diaspóricos destas matrizes culturais. Nas sociedades híbridas, como os Quilombos ou as atuais aldeias Ameríndias, é percebida a necessidade de ocupação de um território que se possa chamar de próprio de forma coletiva. Um local apropriado para expressar a identidade coletiva e individual a partir de valores culturais daquelas comunidades. Ao contrário do que pensamos, estamos muito perto das aldeias indígenas ou dos quilombos. As favelas, as ocupações urbanas, por exemplo, são organizações onde percebemos de maneira clara os resultados dos legados coloniais e escravocratas que situam a necessidade de expressão desta população nas periferias. Este é um dos focos desta criação. O conceito de identidade de Stuart Hall alimenta meu imaginário criativo. Ele diz:
“Se tais sociedades não se desintegram totalmente não é porque elas são unificadas, mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Mas essa articulação é sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. Sem isso, (…) não haveria nenhuma história. Entretanto (…) isso não deveria nos desencorajar: o deslocamento tem características positivas. Ele desarticula as identidades estáveis do passado, mas também abre a possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades, a produção de novos sujeitos e o que ele chama de ‘recomposição da estrutura em torno de pontos nodais particulares de articulação.
Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo ‘unificadas’ apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural. Entretanto – como nas fantasias do ‘eu inteiro’ de que fala a psicanálise lacaniana – as identidades nacionais continuam a ser representadas como unificadas.” (…) As nações modernas são, todas, híbridos culturais. Stuart Hall

Rui Moreira é um dos Coordenadores do SIG (SPECIAL INTEREST GROUPS em português GRUPO DE INTERESSE ESPECIAL) Teatro Raça e Etnia
Mais informações sobre o IDEA 2010 www.idea-org.net

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A II CNC reunirá artistas, produtores, gestores, conselheiros, empresários, patrocinadores, pensadores e atores da cultura

A II Conferência Nacional de Cultura reunirá artistas, produtores, gestores, conselheiros, empresários, patrocinadores, pensadores e atores da cultura, além de representantes da sociedade civil, de todo o país, de 10 a 14 de março de 2010, em Brasília. Os participantes discutirão, entre outros assuntos, a cultura brasileira nos seus múltiplos aspectos, tendo como finalidade principal a valorização da diversidade das expressões culturais, o pluralismo de opiniões e a aprovação no Congresso Nacional do Plano Nacional de Cultura.

Amigos,

quando me envolvi de maneira mais atenta com as questões da dança no Estado de Minas Gerais em função das Câmaras Setoriais, me coloquei no papel de observador privilegiado de um processo ininterrupto de surgimento e continuidade de ações ligadas à dança em todo o território nacional. Também vi descontinuidades, mas pondo na balança tudo cresce e consequentemente as questões só aumentam.

Digo observador por ter sido contaminado pelas descobertas de valiosos empreendimentos e pelo cotejo de realidades de produção das regiões do Estado de Minas e da Federação.

Com pouca experiência na atuação política "oficial", minha capacidade de interferir neste processo sempre foi discreta... Seja pela falta de reais condições de trabalho, seja pelo meu perfil contemplativo, contribuí nas Câmaras e no Colegiado Setorial de Dança com pontos de vista somatórios aos de meus companheiros, mas nada que determinasse uma real representatividade territorial.

Mesmo tendo uma noção das demandas do meu entorno, não fui hábil suficiente para manter mobilizado um grupo de interessados trocando continuamente informações e questionamentos da dança produzida na região onde atuo.

Não me justificando, mas sim relatando, percebi que é muito difícil mapear o movimento da dança, enquanto setor, de forma atualizada no Estado de Minas Gerais. Para isto é necessário dedicar tempo integral e ter recursos, planejamento, equipe, apoio e interesse político. A quantidade de municípios e a própria diversidade de culturas faz disto uma tarefa árdua, mas ao mesmo tempo um desafio fascinante e necessário de ser encampado algum dia... Quanto antes melhor...

Um dos prismas que me chama a atenção neste processo político que estamos construindo é a busca de uma melhor compreensão da diversidade e a possibilidade de entender que a dança no Brasil se dá em um vasto circuito, e apesar de catalogada por estilos como: dança moderna; dança clássica; dança contemporânea; jazz; dança de salão; dança de rua; danças populares;- a dança se pluraliza ainda mais quando abrange a esfera da espontaneidade e se prolifera de acordo com apropriação das comunidades/população em suas várias camadas. Nesta esfera existe um grande consumo.
Na minha forma de ver, a divisão da dança unica e exclusivamente por "estilos" fragmenta o pensamento da sociedade e cria atravessadores que apoiados na precariedade de recursos, podem determinar que só algumas danças merecem atenção, pois são mais importantes que outras.

Os parâmetros para pensar a economia da cultura e os aspectos sociais da dança que se faz no Brasil estão constantemente em xeque por falta de dados abrangentes, sistematizados e publicados.

- Farinha pouca meu pirão primeiro!
Este princípio retrógado, não deve jamais permear uma ação de Estado, mas infelizmente isto acaba acontecendo comumente neste exercício de política partidária governamental.

Por esta visada a Cultura é sempre sacrificada quando a variação dos recursos acomete os orçamentos públicos. Os recursos são sim escassos, mas a sua manutenção está diretamente ligada ao reconhecimento de uma demanda social significativa e transversalizada.

Quando discutimos o assunto pelo prisma das cadeias produtivas setorizadas, constatamos que o setor cultural depende dos mecanismos de financiamento públicos e parcerias com a iniciativa privada que hoje são facilitadas por estes mecanismos. As regras da burocracia governamental acabam regendo estas negociações e estabelecem taxas e cascatas de impostos que são inadequadas para as atividades do setor.

Em função disto, alguns contra-sensos se estabelecem, pois através dos recursos vindos desta fonte uma rede de profissionais e fornecedores vai estabelecendo mercados e regras próprias. Este movimento faz com que este setor gere movimento interno e até externo de dinheiro, mas não estimula processos de sustentabilidade, pois a fonte dos recursos é sazonal. Esta reflexão se faz necessária quando pensamos sistemicamente os mecanismos de financiamento e como estes se configuram no momento.
Isto é importante, pois sabemos da impossibilidade de existência de empreendimentos de nível sem envolvimento de recursos.

Todas estas questões merecem atenção e aprofundamento e os princípios básicos de cada setor precisam manter se em desenvolvimento.

Na dança por exemplo, ao mesmo tempo em que temos que pensar em garantir minimamente os recursos para a pesquisa, criação e circulação de espetáculos, é necessário garantir o espaço de acesso para o que chamo de "educação em dança", ou seja, para sensibilização e formação de qualidade em todas as faixas etárias e camadas sociais.

Muitas iniciativas interagem dança com educação, saúde, turismo, áudio visual, meio ambiente, etc. O fomento da transversalidade com outros setores produtivos que compõem a economia são necessários para acentuar e fortalecer um mercado cultural. Isto deverá promover um vislumbre de sustentabilidade para esta entrelaçada rede produtiva.

O Plano Nacional de Cultura, entre outras coisas é uma tentativa de implantação de sistemas que garantam uma discussão de Estado. Ou seja, uma discussão continuada com a população e o empoderamento dos valores soberanos desta, independente da atuação governamental vigente.

Os assuntos mais emergentes em discussão estão ligados à significação do papel do governo nos movimentos da pólis. - Qual é o papel do Estado? E do Governo? Como a ação de Estado pode além de subsidiar os mecanismos de financiamento e se organizar jurídica e politicamente para melhorar o desempenho deste “contexto cultural”? O que se pode fazer para reconhecer e dialogar com os mecanismos de democratização de acesso que os protagonistas culturais desenvolvem e oficializam no seu dia a dia?

Estas perguntas podem parecer simples e com respostas óbvias, mas quando feitas pela sociedade civil, e respondida pela reflexão comum do poder público e da própria sociedade, elas podem alterar significativamente o engajamento na construção do processo político de manutenção da democracia nacional.

Discute se as formas de ampliar recursos e a distribuição destes. Estuda se fomentos e condutas políticas que possam ampliar a fruição de cada setor.

Muitas vezes esta discussão é conduzida pela solução de problemas emergentes e perde-se a possibilidade de vislumbrar também o médio e o longo prazo.

A falta de métodos para o estabelecimento de um quadro claro sobre o mercado movimentado por cada setor cultural é uma questão que nos deixa sempre com a sensação de "correr atrás do próprio rabo" ou "de dar um tiro no próprio pé".

Politicamente os métodos de aferição dos setores da cultura precisam de referencia e de diálogo para serem entendidos e melhor aplicados.

Entendo que, nesta convocação para o diálogo o poder público/governo pretende ter da sociedade civil(que é protagonista das demandas), referencias sobre caminhos para direcionar a administração,estabelecendo assim as diretrizes da política.

Portanto depende da qualidade da interlocução a ampliação da visão política sobre as questões da dança e da cultura em geral.

No resumo do trabalho do atual Colegiado de Dança tem diretrizes que podem nortear um mote de reflexões para detonar processos que propiciarão que a máquina pública enxergue a dança de forma filosófica e política como setor produtivo.

É um documento que registra o resultado de discussões que foram feitas em âmbito nacional. Apesar de abrangente este documento tem restrições e dependerá da continuidade da discussão e da participação dos protagonistas (em suas instancias de poder), a ampliação e o aprimoramento dos conteúdos assim como o alcance dos pontos almejados.

Os movimentos grandes e significativos como os da cidade de São Paulo, Uberlândia, Recife, Ceará, Porto Alegre (entre outros) são modelos para que esta consciência de classe se espalhe por todas as cidades deste enorme Brasil, mas todos os movimento tem seu valor e merecem ser compreendidos também.

Acho importante lembrar aos que se colocam a disposição para participar como delegados ou representantes regionais, que ao participar destas mobilizações consultivas, somos porta vozes da diversidade de cada setor e nos tornamos testemunhas e protagonistas na legitimação deste empreendimento político que é o Plano Nacional de Cultura.

escreveu Rui Moreira
Bailarino, coreógrafo e investigador cultural que se colocou a disposição e foi escolhido em assembléias da classe de dança para representar o Estado de Minas Gerais na Câmara Setorial proposta pelo MinC/ Funarte. Participa desde processo nesta posição desde o ano de 2005.